Em entrevista, o especialista em políticas de governança Gerardo Berthin fala sobre o impacto dessa prática global e sobre o envolvimento da sociedade como um todo no combate à corrupção
do PNUD
É preciso sensibilizar todos os setores da sociedade sobre a importância da transparência e da prestação de contas no combate à corrupção. Essa é a percepção do especialista em políticas de governança e descentralização do PNUD, Gerardo Berthin. Ele esteve no Brasil recentemente para participar de um evento organizado em parceria com o Governo do Estado de São Paulo sobre o tema.
O especialista, que atua no Escritório Regional do PNUD para América Latina e Caribe, no Panamá, afirma que o papel de promover os valores anticorrupção não é só do governo e deve ser incorporado por outras instâncias sociais, incluindo o setor privado, as universidades e os acadêmicos, a mídia e a sociedade civil.
Para Berthin, a corrupção é um grande entrave ao desenvolvimento dos países, afetando o acesso e a qualidade na prestação de serviços públicos e prejudicando especialmente as populações mais pobres e vulneráveis. Segundo ele, esse tipo de prática conduz a população ao descrédito em seus governantes, minando a democracia.
O representante do PNUD acredita na sensibilização da sociedade por meio de ações individuais – como a recusa em pagar propina - e coletivas, que possam aumentar os riscos para quem pratica a corrupção e reduzir as oportunidades e brechas no sistema.
Em entrevista ao site do PNUD, ele fala sobre o impacto da corrupção nos Estados e sobre sua ligação com o desenvolvimento humano, envolvendo mais acesso à informação, melhores instituições e maior participação cívica da população.
Qual é a influência da corrupção no processo de desenvolvimento?
Todas as evidências mostram que a corrupção prejudica muito os países em processo de desenvolvimento. Ela não só desvia os recursos de outros setores imediatos, mas também aumenta desnecessariamente os encargos fiscais para as pessoas; e também torna os serviços básicos ineficientes.
Esse é de fato o papel do PNUD. Nós não somos uma agência anticorrupção, mas uma agência para o desenvolvimento. Portanto, nosso foco tem sido sempre sobre o que é a relação entre o desenvolvimento humano e a governança democrática e a questão da transparência e da prestação de contas como parte de ambas.
Quem é mais afetado pela corrupção?
No geral, todo mundo. Mas certamente, a maioria dos setores que são mais vulneráveis tendem a ser mais afetados pela corrupção. Como você sabe, aqueles que estudam as práticas de corrupção apontam que existem diferentes tipos de corrupção. Você tem a “grande corrupção”, em que os partidos políticos ou as políticas capturam o Estado de modo que este favoreça um grupo da elite ou um pequeno grupo de pessoas. Mas também há a “pequena corrupção”, a corrupção do dia a dia, em termos de pessoas pagando propinas para obter serviços que, de outra maneira, deveriam ser gratuitos. Isso tem a ver, talvez, com as ineficiências do sistema ou talvez até com problemas de caráter, de não estar preocupado com o fato de que quando você paga uma propina você também passa a fazer parte do problema.
Então eu acredito que a evidência mostra que todo mundo é afetado mas que certamente a maior parte do fardo vai para os grupos mais vulneráveis em qualquer sociedade.
Falando sobre a corrupção do dia a dia, quem deveria ser envolvido na luta contra a corrupção? Existe algum papel especial para a sociedade civil?
Eu acho que o combate à corrupção é de fato uma luta de todos, não só da sociedade civil mas também dos governos, do setor privado, dos educadores, universidades, agências doadoras. Mas certamente a sociedade civil tem um papel muito importante. Primeiro, em termos de fiscalização, demandando transparência e prestação de contas na administração dos recursos públicos; e, em segundo lugar, em termos de advogar pela qualidade dos governos, o que envolve um maior grau de transparência e prestação de contas.
Os grupos da sociedade civil podem fazer auditorias sociais, em termos de auditar as políticas públicas, os gastos orçamentários, e também podem lançar campanhas para mostrar algumas das consequências negativas das práticas de corrupção, de modo que eles têm um papel bem importante, embora a experiência mostre que trabalhando em parcerias, junto com diferentes setores sociais, é, também, uma estratégia muito boa no combate à corrupção.
Qual é a importância de mecanismos como a transparência e a responsabilidade para esse processo?
Eles são extremamente importantes. Se nós estamos favorecendo o Estado para gerir nossos recursos públicos, nós também deveríamos esperar que o Estado administre esses recursos de forma responsável e transparente. Existe uma história sobre transparência na Índia que diz: “Se eu mandar minha filha para o mercado com US$ 100, quando ela voltar eu quero que ela preste contas disso” e certamente se nós damos ao Estado a responsabilidade de administrar os recursos, eles também deveriam ter a responsabilidade de prestar contas por esse dinheiro.
Então, isso é extremamente importante. Hoje nós temos indicadores mais sofisticados para medir os níveis de transparência e responsabilidade dos Estados. Nós podemos ver, em geral, que naqueles Estados em que isso ocorre, a qualidade da governança democrática e do desenvolvimento humano são boas – a correlação oposta é válida.
Então nós podemos afirmar, de certa maneira, que um IDH maior pode indicar maiores níveis de transparência e, portanto, menos corrupção em um determinado Estado?
Sim, na maioria dos casos. Se você olhar para os top 10 países do IDH, é bem provável que esses 10 países também estejam na lista dos 10 primeiros quando se trata de transparência e responsabilidade, utilizando diferentes tipos de indicadores. Por outro lado, países com índices de desenvolvimento humano menores geralmente sofrem com problemas de falta de transparência e de prestação de contas.
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